sábado, 13 de outubro de 2012

Luzes dançarinas


Andava por aquela rua, aquela dos bares, observando vez ou outra as luzes quentes que coexistiam de forma tão pacífica com o ambiente que horas atrás fora caótico, mas onde agora só observavam-se uma meia dúzia de gatos pingados, aqueles que adiariam o momento da volta para casa ao máximo, sempre acompanhados de um ou dois amigos e também de esperanças, iguais às suas, de conseguir encontrar alguma alma gêmea de interesses passageiros. Os reflexos daquelas mesmas luzes nas possas d'água pareciam dançar de vez em quando, como se ouvissem alguma melodia à lá Dexter Gordon, enquanto as mentes daqueles que ainda residiam na rua apenas acompanhavam a melodia de seus interesses, que no fundo sabiam que eram fúteis, mas os perseguiam mesmo assim. E assim seguia em linha reta, sozinho, observando aquele movimento de uma orquestra tão caótica quanto poderia ser, regida por um maestro invisível e talvez inexistente. E assim seguia em linha reta, o cigarro já acabava junto com a noite, que estava finda no momento em que se iniciou, pois ninguém sai à noite sozinho. E riu. Riu para não chorar ou apenas para identificar-se com algo. Riu de sarcasmo, ou qualquer coisa que pudesse tornar menos trágica sua situação. Passando em frente a uma porta espelhada, riu até de sua aparência, lá pros trinta e cinco, alto demais, o casaco bege de andar de moto batido, acompanhado por aquele jeans que usava desde a adolescência e um par de sapados sociais bicudos que não combinavam em nada com resto. Riu também de seu cabelo, que parecia tão vivo pelo gel no começo da noite e agora já era enrolado e desgrenhado de novo. E também riu do fato de conseguir andar, apesar das várias cervejas que já haviam acariciado sua garganta àquelas altas horas.

Tirando os olhos do espelho, viu ao longe, enquanto ali estava parado, uma gordinha. A falta dos óculos apenas lhe permitiu enxergar na moça essa característica negativa, além da baixa estatura. No que ela se aproxiumou teria notado como era feia, mas aproveitou de seu estado etílico para ignorar isso. E ela então acidentalmente, enquanto andava rápido, esbarrou. E pediu desculpas, que ele ignorou como se fossem avisos de mãe, mas para sua surpresa ela continuou, dando explicações e puxando assunto, rindo de leve, demonstrando aquele interesse que as mulheres pensam ser sutil e os homens pensam ser sexo garantido, dizendo aquelas palavras que as mulheres fingem ser importantes e os homens fingem dar atenção. E não demorou.

Não demorou para que estivessem entretidos em suas bocas na parede, sem muita enrolação, mãos procurando aquilo que sabiam que estava lá e logo estavam já em outro lugar, não as mãos, mas aqueles dois. Em algum lugar mais isolado, onde aconteciam introduções familiares a todos e satisfações de interesses que são tão egoístas que acabam por desenvolver um certo altruísmo bizarro. E depois, quando ambos já estavam há muito satisfeitos, os corpos cansados e as mentes indispostas, foi quando ele se deu conta que já amanhecera tempos antes, e que as luzes não dançavam mais as melodias de Dexter Gordon no meio das poças d'água; e também que os bêbados, drogados, mendigos e gatos pingados já todos haviam deixado o local, ou ao menos suas consciências. E que ele também já não estava lá, mas estava em sua casa já, sequer lembrando-se direito da noite que cruzara feito um passageiro anônimo de um trem que não vai a lugar algum. E dormiu em sua cama, onde a gordinha também não estava, afinal não fora ali que fizeram sexo - e não amor - mas sim em algum quarto de algum motel barato. E ele riu de novo, pra não chorar, dessa vez foi aquele último riso perdido em pensamentos antes da chegada de um sono tão adiado que veio como pedra, como o sono da morte mas que não era morte, na prévia de um domingo que já se iniciaria para ele durante a tarde.

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É gente, como percebem, agora que eu voltei o blog mudou um pouco, estarei, além das postagens mais pessoais, postando mais ficção e poemas. É isso aí, não significa que não postarei coisas como as de antes aqui, só que a frequência será menor.

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